domingo, 15 de agosto de 2010

Amor-e-te

Amor, amo, amo-te, amor-te
Amo-te amor, amo-te amor-te.
Amor, ama-te, amor-te
Ama-te até amor-te,
Amor-te, ama amor,
Amor, amas, amor-te,
Até amor-te do amor?

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Olhos Azuis

Ele me ama. Ou vai me matar.

Eu estava linda quando eu o conheci. Andando sozinha em uma rua escura, de noite. Bêbada, drogada, voltando de uma festa. Um ácido mais forte do que o usual, uma droga deliciosa que um conhecido havia trazido da Europa. Eu estava ótima.Tinha acabado de terminar meu namoro. Pelo mais simples dos motivos: eu não o amava. Por isso estava sozinha, procurando um táxi. Linda.
Ele era um cara legal. Bonito, divertido, me amava. Mas eu não acreditava no amor. Não via nada mais patético do que ficar horas esperando um telefonema, aquele frio na barriga, mandar mil mensagens, um buquê de rosas. O amor é uma tentativa hipócrita de nos ocultarmos de nós mesmos, de negarmos a eterna solidão. Mesmo assim eu o namorara durante um ano. Bem, ele era bom na cama e isso é o que importa.
Meus saltos ecoando na rua. Eu mal vi o homem se aproximando. Estava tonta. Ele era feio, horrível, estava sem camisa, um olhar duro. Ele vai me assaltar. Tento fugir, mas ele me segura, eu grito, mas uma mão me sufoca. Eu vou te estuprar, se tu gritar eu te mato. Eu me debato, eu o arranho. Ele rasga minha blusa Gucci, minha bolsa LV cai no chão. Não tem ninguém ao redor. Sou jogada contra a parede, mãos passam pelo meu corpo, ele puxa meu cabelo, eu choro. Suas mãos calejadas vasculham meu corpo, acham meu sexo. Sinto-me impotente, um grito sufocado, não consigo me mexer. Eu sinto o hálito dele, o cheiro de suor. Me contorço, esperneio, arranho. Mas nada.
De repente, estou livre. Ouço um barulho, o homem está jogado contra a parede. Diante dele, outro homem. Ele o levanta com facilidade, pressiona seu corpo. No escuro não vejo direito, tudo é apenas um borrão. O homem cai sobre o corpo do molestador. Ele se contorce, esperneia, um grito seco. Eu fico parada, no chão, sem entender, um medo terrível se apropriando de cada músculo dolorido, um pavor que sufocava até mesmo a vontade de gritar.
Então, o outro homem levantou. O corpo sem camisa não se mexia. Ele se aproximou de mim devagar. Levantei, tentei falar, perguntar quem ele era. Mas não consegui. Ele me olhou nos olhos. Dois olhos azuis, como o fogo, ardentes. Eu me acalmei, ele se aproxima, cada vez mais perto. Eu tremia. Esticou seu braço, devagar até que sua mão tocou meu rosto. Olhos azuis que queimavam.
Pude ver seu rosto. Branco, e liso, de mármore. Duas pedras brilhando. Um misto de pavor e excitação atravessou meu corpo. O seu toque era frio, suave, uma leve carícia. Seu olhar eternamente no meu. Um sentimento de beleza imensurável tomou conta de mim, nunca vira homem mais belo. Era como se o tempo parasse, o instante se resumiu a aqueles olhos. Minha vida sumiu diante de mim, nada mais existia. Seus lábios estavam vermelhos, sangue escorrendo deles. Sangue do molestador. A beleza dele me penetrava, dominou o meu pânico. Não parava de olhá-lo, não poderia tirar os olhos dele. Obrigada por me salvar, balbuciei. Sem mexer um músculo ele respondeu, eu não te salvei, vim atrás dele. E seus lábios tocaram os meus rapidamente. Senti por um instante o gosto ferroso de sangue.
Ele se foi. Fiquei sozinha, dominada por aquela beleza, meu coração acelerado. Uma paz ardente dentro de mim, um desejo e uma tristeza. Aquele rosto, duas chamas azuis no mármore mais branco.


Estava na casa de uma amiga. Um desfile de vidas medíocres. Conversas vazias. Um tédio intenso, emanando da alma de cada um ali. Monotonia tão intensa, geralmente capaz de nos levar as mais incríveis loucuras, as mais estupendas demonstrações de vida, no sexo, no jeito que dançamos, que rimos e saímos a noite. Maquiando com beleza e luxo o terrível fato de estarmos mortos. Ocos por dentro. Abismos de mentes sem propósito. Viciados em prazer por não ter melhor vício. Drogas e bebida para entorpecer nossos sentidos. Estávamos todos muito loucos. Pelo menos, eu estava. Mais daquele ácido. Muito mais. E alguns outros também. Pura rotina. Alguém vomita no banheiro, uma amiga trepa do meu lado. Essa era a minha vida.
No entanto, naquela noite havia algo de diferente. Sempre sentira que aquele era meu lugar. No luxo, no hedonismo fútil que eu me destinara. Dias e dias, de prazer em prazer. Sem nada que pudesse me preencher. Não tinha fé em nada além disso. Aquilo era a felicidade, e felicidade só poderia ser aquilo. Mas quando eu fechava os olhos, eu sentia o calor daqueles olhos. Não parava de pensar naquele homem, meu salvador. O gosto de sangue ainda estava levemente nos meus lábios. Lembrava-me de cada detalhe do seu rosto. Seu toque parecia ter deixado uma marca no meu rosto, de onde escorria um pulsar ardente e vivo. Vida. Era isso que eu via brilhar nos seus olhos. Vida quente, correndo nas veias.
De repente, senti-me estranha naquele ambiente. As risadinhas, os gritinhos, os vestidinhos, pareceram-me distantes, aquele não era meu mundo. Meu mundo perdeu o sentido naquela rua escura. Sentira um prazer que realmente valia a pena ser sentido. E agora, todo o sentir da minha vida parecia embotado, um véu apenas, que ocultava algo além. Não me sentia mais oca. Aqueles olhos azuis de alguma forma haviam me preenchido. Aquele encontro tinha a textura dos sonhos, eu o queria para mim. Sonhava em encontrá-lo de novo, em beijá-lo. Estava irritava com tudo que me cercava, queria gritar e ir embora dali. Mas eu não podia, estava entre os meus, eu tinha uma imagem a manter. Minha amiga percebeu algo estranho, disse que eu deveria estar tendo uma bad. Mandei-a se foder e fui pegar um drink.
Foi quando um rapaz veio falar comigo, me chamou para o quarto. Seu rosto e corpo eram dignos de uma capa de revista. Mas seus olhos azuis estavam apagados pelas drogas. Senti nojo, repulsa na boca do estômago. Raiva de todos ali. Queria gritar. Joguei meu drink na cara dele, minha amiga ficou puta, mas eu não ligo. Quero que todos eles se fodam.
Cheguei em casa agoniada, fui pro jardim, sentei em um banco de pedra. A lua estava cheia. Sentia-me sufocada, minha vida toda parecia um erro, estava desorientada, tonta. Uma angústia me cortava, eu queria vê-lo, eu queria tocá-lo. Ele me fez ver o que eu era, me mostrou algo novo. Um mundo melhor. Não tão vazio, não tão seco, não tão estéril. Um mundo preenchido por aquela beleza, por algo que agora eu entendia ser o amor. Então, eu fechei os meus e desejei com todas as minhas forças que ele estivesse aqui, que eu pudesse vê-lo mais uma vez.
E quando eu os abri, eu vi a lua sob as árvores, sob as flores. E uma sombra entre elas. Uma sombra que se mexia, se aproximando. Então, ele olhou pra mim, e eu senti o peso do seu olhar esmagar meu coração, meu corpo todo ardendo de um desejo que de tão intenso que era dor. Até que vi seus olhos no escuro e eles tocaram nos meus. Sua mão e seus lábios vieram até mim, de leve.
Eu o abracei. Uma euforia tomou conta de mim, eu o esmaguei entre meus braços, beijei cada milímetro do seu rosto. Passei a mão por seus cabelos escuros e lisos, acariciei a textura dura de seu rosto. Da minha boca escorriam as mais belas promessas de amor, eu te amo, serei sua para sempre, você me mostrou a vida, eu te quero, te amo mais que tudo, nunca me deixe.
Ele impassível, me olhava, na sua boca um sorriso, me encontre no cemitério, na maior das tumbas, amanhã a meia-noite, e você será minha para sempre. Então, ele me beijou, intensamente. Sua língua na minha, o sabor de sangue, apaixonadamente, ele me beijou, me beijou até o mundo desparecer ao meu redor. Dominada por uma beleza tão intensa, uma alegria que transbordava e coloria tudo ao meu redor, um sonho mais doce do que qualquer outro, queria que o mundo acabasse ali para aquele momento ser eterno, e então ele se foi.

Meia-noite. Ansiei por esse momento a cada pensamento, a cada respiração. E eu tinha medo. Ele me ama, ou vai me matar. Beber meu sangue, roubar a minha vida. Mas não era isso que era o amor? Um risco, onde se oferece o próprio sangue esperando que o outro vá oferecer também, e se ele não oferece, você morre. Um jogo de azar onde o prêmio é a vida e a derrota é a morte. E se eu morresse, morreria feliz, pois teria arriscado viver. Viver mais que todos, viver o mistério, o incrível e o belo. O amor. Mas eu estava com medo. Meu terror diluído em desejo, no desejo de tê-lo para sempre comigo, a volúpia da mais sincera e insana paixão. Ele me ama, e serei eternamente feliz. Eu espero.
Entrei no cemitério, o portão estava destrancado. Deixava para trás tudo o que eu era. Eu renasceria. Seria nova, viveria pela primeira vez. Seria amada , amarei de verdade, e o amor será a única verdade. Ou eu vou morrer e poupar o mundo de mais uma patricinha estúpida.
As sombras dos túmulos se projetando sobre o caminho, o cantar de um corvo na distância. A lua está cheia e o céu sem estrelas. Usava meu melhor vestido, branco, liso, de seda, diamantes nos meus brincos e no meu pescoço. Avistei o maior dos túmulos. Todo de mármore, coberto pela prata da lua. Caminhei lentamente para ele. O vento balança meus cabelos, levantava a barra do meu vestido. Meu coração batia acelerado, meus passos eram lentos, era com se estivesse em transe. As sombras abriam espaço para eu passar. Eu era a noiva e a noite o meu cortejo. A Lua, minha sacerdotisa e testemunha. O corvo cantando minha marcha nupcial, o vento é minha dama de honra. Os mortos, os mais adoráveis convidados. O branco, símbolo de minha última virgindade, a virgindade da minha alma. Eu estava pronta.
A porta estava aberta. Ele me olhava, o brilho azul na escuridão. Fitando seus olhos, eu me aproximei, subindo o pequeno lance de escadas até a porta. E lá, diante do olhar do meu amor, sob o luar incandescente, eu tirei minha roupa. Nua, vestida apenas pela prata vinda do céu, e pelas jóias vindas da terra. Assim eu me entregaria a ele para a eternidade. Nua, sem máscaras. Esperei o seu chamado. Ouvi um sussurro correndo pelo meu corpo. Ele me quer. Serei só sua, hoje e para sempre. Eu entrei.
Ele estava sentado no fundo. Levantou-se, andou até mim, e eu até ele. Você veio, ele disse, eu vim, e serei sua mais que para sempre. Ele sorriu, e seus olhos brilhavam ainda mais. Ele me beijou, sua mãos seguraram meu corpo, sua língua brincou com a minha. O mais delicioso dos sabores, o sabor de sangue, senti-o na minha boca, saliva vermelha. Seus braços me envolvendo, contra a parede, sua boca e seus dedos vasculhando meu corpo, beijando-o , lambendo, acariciando. E meu corpo clamava por ele, eu arranhava suas costas, beijava seu pescoço, me entregava a frieza de sua pele. Sedenta, em um frêmito de desespero, eu o agarrava, temia perder aquele toque. Selvagem. Apaixonado.
Sua língua desceu, meus seios, minha barriga, meu sexo. Um prazer mais intenso do que qualquer palavra, a plenitude de um gozo mais do que carnal, a violência de um amor que não mais cabia em mim, queria rasgar, queria morder, agarrei-o com mais força, minha boca gemendo palavras doces, poesia, prosa. Um coro de anjos. O cheiro suave de mil rosas vermelhas, o frio que era cor de neve, e o mundo, ah, o mundo e o tempo, não mais existiam, eu e ele éramos o tudo, e nada mais tinha o direito de existir.
Minhas memórias escorriam com o meu suor, se afastavam de mim. Nunca vivera antes daquele momento, nada do que eu era tinha importância, nunca mais viveria algo além daquilo. Tremia de prazer, eu ardia, minha pele queimava. Como um animal, como um homem, como um deus, ele me desflorava, cada toque, do mais leve ao mais bruto, era da cor do céu, a quintessência do paraíso. Meu corpo todo ofertado a ele, para o seu desfrute e paixão. De olhos fechados eu via a face mais pura da beleza, meus sentidos explodindo ao meu redor como cometas no céu negro.
- Eu abri os olhos e vi os teus, meu amor, nunca antes tão intensos, nunca antes tão belos.
Ele me penetrou e eu me senti renascer em puro êxtase, em um jorro de glória, cada fibra da minha existência vibrando naquela intensidade. Toda a beleza do mundo corria em mim Eu estava no seio do coração selvagem da vida, embebedada pelo seu pulsar, pelo seu sangue mais que vermelho. Era a apoteose do sublime, a quintessência do paraíso, a vida eterna.
Então, veio a dor. Como um raio predizendo uma tempestade, ferindo cada músculo. Misturada ao prazer, ao mais intenso dos prazeres, eu não me importava com ela, que viesse toda a dor do mundo. E ela aumentou, se avolumou e ganhou forma, minha pele gritava ao toque dele, mas eu não poderia pedir para que parasse, eu estava no seio do mais selvagem coração da vida, nada me tiraria de lá, nada. Eu gritava, e ele não ouvia, continuava dentro de mim. Eu o sentia lá, sentia todo o seu ser em comunhão com o meu, me purificando da minha vida torpe, da minha promiscuidade, da minha falta de fé, levando embora meu sofrimento, me oferecendo a glória da eternidade.
Doía e como doía. Cada vez mais, como agulhas, calor visceral vindo de dentro, meus músculos se contraindo, ardendo, minha vagina parecia coroada por brasas, minha pele iria rasgar, não, não pare. O estômago se contorcendo, meu coração batendo mais forte do que meu peito poderia suportar. Suava, tremia, chorava de alegria. Eu te amo, je t’aime, love you, je veux ton amour .Estava sangrando. Senti o sangue quente em minhas mãos. Eu estava sangrando, decorando aquela tumba com a minha cor. Sentindo-me tonta, estava fraca, enjoada. Mas eu não podia parar, ignoraria a dor, ela que se fudesse, eu estou com ele, não há dor no mundo que me impeça, eu sou amor, e é o amor que me fere, não ele, serei dele para sempre, nunca mais minha alma sentirá dor. Mas eu sangrava.
- Morrerei em êxtase, por ti, meu amor.
Então, veio o nada e um clarão branco.

Tensão no ar. Cheiro de hospital. Minha consciência está fraca. Não sei onde estou, o que aconteceu, onde está o meu amor. O êxtase havia passado, meu corpo gemendo, tudo havia passado. Voltara a ser eu. Não conseguia abrir os olhos, estava deitada, parada, mas eu me movia, como em uma maca. Ouvi vozes bem distantes, vozes nervosas, apressadas. Ficaram mais próximas, consigo ouvir algumas palavras...encontrada pelo coveiro...delirando...é sobre mim que estão falando?...hemorragia...batimentos cardíacos instáveis..alucinações...exame de sangue mostrou...ácido...tudo indica um quadro de...overdose